O modo automático que vivemos permite poucos questionamentos sobre determinados assuntos, um deles é a narrativa que a “vida fitness” construiu em nosso subconsciente. O “tá pago” é um exemplo, como bem escreveu Isa Daneluci do @cancelaoshake neste arquivo.

Entre as tantas narrativas superficiais da “vida fitness”, a mais boçal delas é a “falta de força de vontade”. Boçal em todos os aspectos, porque quem geralmente usa esse argumento está em pedestal de privilégios e, cego que só, usa a própria vida como medida para olhar a vida dos outros.

A “vida fitness” sempre tem uma narrativa prontinha para te vender. Geralmente o envelope vem com frases motivacionais e um padrão mental pré-estabelecido: você é capaz de tudo. Eu também acho que você é capaz de tudo, mas não posso afirmar isso sem antes entender o seu contexto, e é justamente isso que o fitness não faz.

imagem: reprodução

O que ironicamente chamei de treino da herdeira envolve principalmente aquelas pessoas que vendem a narrativa fitness do “você também consegue” dentro do contexto de vida delas: treinando às 10h da manhã de uma quarta-feira qualquer e vivendo uma vida de PRIVILÉGIOS.

O problema é treinar às 10h da manhã? De forma alguma. O problema é não contextualizar a narrativa. Nem sempre é sobre meritocracia, principalmente quando falamos na pratica de atividade física e esporte. O maior problema da “vida fitness” é ela colocar todo mundo em um mesmo lugar de padrão, rotina e saúde. Sabemos que em pleno 2022 vender esse “padrão” de saúde é, além de boçal, perigoso demais. O fitness mata milhares de mulheres toda semana.

O treino da blogueira dá audiência porque também fala de status social. É a projeção de uma vida que queria ser vivida. E deixo a pergunta, a que custo? Influenciadores de “lifestyle saudável” estão em todos os lugares da internet. Parece uma seita que cresce na reprodução de narrativas equivocadas, que pouco entendem a complexibilidade que é falar sobre atividade, quiçá, esporte.

Sim, falar de atividade física e esporte no Brasil vai muito além do “você também consegue”. Não sei se estamos preparados para essa conversa, talvez ela vá respingar em quem você adora seguir no Instagram. E será que você também tem consciência para questionar tudo aquilo que essa @ propõe dentro de você mesma? Acho que não.

O exercício que proponho sobre o treino da herdeira não é glúteos, pernas ou barriga chapada, mas a quantidade de energia que você teria que colocar na sua rotina para readequá-la a algo próximo ao treino da herdeira. Do que você precisaria abrir mão para treinar às 10h da manhã? Quanto a mais você gastaria na conta do supermercado para comprar a mesma comida que ela? Qual plano de saúde você precisaria ter para ir nos mesmos médicos que ela? (Se é que os planos cobrem). Quanto custaria contratar todos os serviços que ela indica?

Você não precisa trazer para a sua vida a projeção da rotina de alguém. Você pode alcançar objetivos magníficos com as possibilidades que você já tem. Cada vez mais precisamos trazer para as conversas o fator privilégio, porque sem essa consciência, vamos perder a medida da nossa própria vida.

Não é a marca de determinado “super” café que vai melhorar sua conexão com atividade física, mas a organização da sua rotina e principalmente das suas possibilidades incluindo as financeiras.

Por fim e não menos importante: encontre as suas possibilidades e faça o seu possível. A régua que te cabe é essa que você vai encontrar.

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