A Olimpíada de Tokyo 2020 foi a primeira que eu mergulhei de cabeça e acompanhei no detalhe, justamente por trabalhar com esporte. Entenda, consumir uma olimpíada do ponto de vista de audiência é diferente de trabalhar como mídia, ou seja, veículos que além de informar, produzem conteúdos sobre aquele assunto de diversas maneiras, como é o meu caso aqui, no Esportes Dela.

Trabalhar como mídia em Olimpíada traz perspectivas inimagináveis sobre o esporte. O mergulho profundo é para poucos, já que não é só técnica, é ter sensibilidade de contar histórias além da vitória, derrota ou naquele mood insuficiente (e chato) de superação. Tem que estudar as entranhas do esporte no Brasil para entender que, a superação é insuficiente, e pior, banalizada, em um país que usa o esporte para fins políticos e não como pilar social que realmente deve ser.

Demorei algumas semanas para assimilar tudo que vi, vivi e consumi de conteúdo em pouco mais de 15 dias de Jogos Olímpicos. Um mix de magia, felicidade, nó na garganta, mãos suando, coração acelerado e frustrações. Uma montanha-russa com direito a sensação de ressaca e Jet lag por causa do fuso. Foi também, o período que eu mais li merdas sobre o esporte, principalmente o feminino, de gente entusiasta, que vai “surfar a onda, dizer amar o mar, mas que deixa o lixo na praia”, sabe?

Tokyo 2020 foi a Olimpíada das mulheres, um belo spoiler de Paris 2024: olimpíada que marcará a história para sempre! Vamos atingir o tão significativo porcentual de 50% atletas mulheres. Finalmente o esporte feminino ganhará os louros que merece, mas ganhará também narrativas um tanto distorcidas, o que também vale como spoiler para Paris 2024.

Sororidade: do latim soror, oris “irmã” + dade. A palavra deriva da junção da palavra de origem latina “soror,oris”, com o sentido de irmã, e do sufixo nominal também latino -dade, este sufixo designa uma qualidade ou estado. Portanto, a palavra sororidade indica na sua origem “condição ou qualidade de irmã”. Relação de irmandade, união, afeto ou amizade entre mulheres, assemelhando-se àquela estabelecida entre irmãs. (via dicionário Aurélio).

Você provavelmente deve ter visto muito conteúdo durante a Olimpíada trazendo essa palavrinha na narrativa. Videos, textos e legendas tomaram as redes sociais, como se a sororidade só existisse ali, no Olimpo. E o problema é justamente esse, colocar a sororidade no pedestal, e não no dia a dia.

Seu texto sobre sororidade é lindo, apesar de….

  • você comentar sobre o corpo de outras mulheres;
  • você julgar outras mulheres;
  • você acreditar e ainda repassar dietas milagrosas para amigas;
  • você só ter “sororidade” com as suas amigas;
  • você ainda usar termos como: “dia de gordice”;
  • você falar para alguma amiga que ela precisa “se cuidar”, “emagracer”;
  • ….

DEIXO ENTÃO UMA PERGUNTA: O QUE CABE NA SUA SORORIDADE?

Cabe ficar com o(a) filho(a) de uma amiga para ela ir treinar 1 horinha no dia? Cabe incluir uma atividade física onde a amiga, que também é mãe, possa levar o filho? Cabe incluir uma amiga que nunca pedalou naquele treino mais leve? Cabe apoiar um projeto social envolvendo meninas e mulheres no esporte, com um valor simbólico que seja? Cabe olhar para outras mulheres sem competição? Cabe apoiar o projeto de outra mulher?

O quanto conseguimos nos despir de discursos bonitos e colocar em prática um pouco da sororidade que nos cabe – além da Olimpíada?

foto: Alessandra Cabral – reprodução/instagram Luiza Fioresi

Quando passamos a enxerga o esporte como ferramenta social de transformação, entendemos, finalmente, que não é sobre competir, mas sobre persistir, ganhar, perder, resistir, desenvolver habilidades e trabalhar emoções. É entender a diferença entre adversários e inimigos. É, principalmente, sobre inclusão.

Sabe as aulas de educação física que você teve na escola? Pois então, ela vale tanto (ou mais) que as aulas de matemática, física ou química, por que foi na aula de educação física que você aprendeu a sentir todas as emoções e desenvolver habilidades que envolvem o esporte.

Sororidade, não é pauta jornalística ou modinha, é atitude diária. Não adianta fazer textão de sororidade quando você faz da vida de outra mulher – ou mulheres – um inferno.

Sabe aqueles conteúdos de sororidade que você viu durante a Olimpíada? Pergunte para a jornalista que assinou a matéria se vai rolar a mesma “sororidade” com as atletas paralímpicas.

Vou perguntar de novo: o que cabe na sua sororidade?

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