A vela faz parte da minha vida desde que me conheço por gente. Meus avós maternos desde muito jovens já praticavam esse esporte tão enriquecedor e conectado com a natureza. Por lazer e diversão, minha mãe, sua irmã e primos passavam dias e mais dias das férias de verão embarcados, velejando pelo litoral de São Paulo.
Meu pai, ainda namorando minha mãe, se aventurou e aprendeu a velejar. Depois de casados, com o intuito de praticar o esporte em São Paulo, encontraram uma casa próximo a Represa de Guarapiranga, e foi nessa casa que eu nasci, cresci e tive o primeiro contato com a vela. Lembrança dos passeios em família, fim de tarde, finais de semana sempre com muita diversão.
Iniciei no curso de vela com seis anos, junto com o meu irmão (na época com sete anos) na BL3 (Escola de Iatismo), que tinha sua sede na represa. Confesso que o começo não foi fácil, assustei em algumas situações e até cheguei a falar para os meus pais que eu não queria mais velejar, mas com a família toda no esporte, foi difícil ficar fora muito tempo.
Ganhei meu primeiro Optimist (OP) com 8/9 anos. Nesta época participei das minhas primeiras competições e mesmo não tendo resultados surpreendentes, eu fui conhecendo um pouco mais da vela e me apaixonando pelo esporte.
Aos 14 anos sai da Classe Optimist e me arrisquei a velejar com pessoas mais experientes. Me descobri na Classe Snipe, uma classe extremamente agregadora, cativante e animada (desde sempre e pra sempre!). O Snipe é um barco tripulado por 2 pessoas: o timoneiro, que tem a função de controle do barco, a tática (estratégia da competição) e da vela mestra (vela principal). E o proeiro, que tem a função de controlar a vela buja (vela menor que fica na frente do barco) e faz pequenos ajustes de regulagem para facilitar e melhorar o andamento do barco.
Por pouco tempo velejei na proa do meu irmão, Marcelo Bellotti, apesar de muito unidos, nos ajudando muito e sempre, foi difícil velejar juntos na época, os dois de temperamento forte e com características pouco complementares (Nós dois tínhamos o perfil de timoneiro). Foi a partir dessas diferenças que tivemos o entendimento de seguir velejando em barcos separados.
O velejo acontecia todos os dias, de 3ª `a domingo na represa, fosse próximo de algum campeonato importante ou não. A represa era o quintal de casa e a vela era o motivo que fazia correr com as tarefas da escola para partir pra água!
Foi com a vela que conheci o Brasil e parte do mundo. Todos os anos o Campeonato Brasileiro acontecia em uma cidade diferente, tive a oportunidade de participar de quase todos, Rio de janeiro, Vitória, Brasília, Florianópolis, etc. Me arrisquei também em campeonatos fora do Brasil, como Uruguai, Chile, EUA, e outros.
Em 2004 recebi um convite da Adriana Kostiw, para participar da ESPN Brasil Sailing Team. Barco oceânico, com tripulação 100% feminina, comandada por ela, para velejar em um Multimar 32. Eu nem preciso dizer que foi uma das experiências mais marcantes e importantes da minha vida! Até hoje levo os aprendizados desse tempo que velejamos juntas. Nossa parceria foi até 2006, e só acabou por conta de alteração de patrocínio para BMW Sailing Team e algumas mudanças no time.
Desde então a paixão pela vela oceânica só aumentou! Muitas vezes velejando em barco 100% feminino, e outras vezes com tripulações mistas. Mais do que velejar, o importante sempre foi se divertir.
Entre competições de Snipe, oceano, escola/faculdade, conheci mais uma paixão: ensinar crianças a velejar. Tornar esse esporte parte da vida de uma criança é encantadoramente desafiador. O hobby se tornou meu ganha pão por um tempo!
Decidi fazer faculdade de fisioterapia e em paralelo ensinei e treinei diversas crianças – que hoje em dia olho seus resultados como velejadores e me orgulho demais por ter feito parte desse caminho. Atualmente trabalho com fisioterapia esportiva ortopédica e sigo com os ensinamentos e treinos para crianças e adultos, junto do meu marido, Juan de la Fuente.
Conheci meu parceiro, meu amigo, meu amor, Juan, no esporte. Técnico e apaixonado pela vela, um dia me convidou para velejar com ele e desde então traçamos planos e seguimos não só na vela, mas na vida. Velejamos juntos por muitas vezes na Classe HPE 25, aprendi demais com ele, principalmente por entender que nem sempre a mulher terá a força bruta de que a vela, por vezes precisa, mas que por essa “falta de força” (e eu coloco entre aspas mesmo, por que tem muita mulher forte que aguenta o tranco), acaba usando de artimanhas inteligentes, estratégias e regulagens que favorecem muito a velejada.
Uma frase muito comum dele é: “nem sempre é uma questão de força, as vezes o talento supera a força!”. E assim, por diversas vezes, fui a única velejadora mulher comandando tripulações masculinas.
Mas nem sempre o velejo é perfeito! Passei um período “flutuando” no esporte, focando nos estudos e na especialização em fisioterapia ortopedia esportiva, deixando as competições de lado, mas nunca as aulas e treinos para a molecada, ou quem mais quisesse aprender a velejar.
Passei por um distúrbio metabólico, acabei engordando muito e depois de diversas tentativas de emagrecimento (diversas mesmo!), em 2017, fiz uma cirurgia de redução de estomago. Emagreci 49kg, e isso me trouxe uma realidade incrível: voltar a competir! Competi pouquíssimas vezes durante o distúrbio e ganho de peso. Quando me vi com – 49kg num barco, meu sorriso, minha satisfação, minha vontade de velejar aumentou muito mais!
Hoje, eu e o Juan temos um menininho lindo e sapeca de quase 11 meses, o Luca, nossa alegria, nosso companheiro de tudo, velejadas, trabalho, viagens, aventuras e agora dos treinos da mamãe! Voltei com gás total para vela, e o objetivo principal é o Campeonato Mundial Feminino da Classe Snipe!
Com a Pandemia, o calendário mudou e o Campeonato Mundial que aconteceria em outubro de 2020 aqui no Brasil foi adiado. O Yacht Club Paulista receberá em outubro desse ano o Campeonato Mundial Feminino da Classe Snipe e eu estarei lá, a convite da minha querida amiga Gisele Gaidzakian e do Jonas, seu marido. Foco total nos treinos e retomadas aos campeonatos com a Gi, que além de amiga, é uma proeira sensível, talentosa e encorajadora.
Minha vida se cruza e se funde com a vela, não saberia dizer quem sou eu sem esse esporte de tão genuína troca. Sou extremamente agradecida `a vela! É meu norte, meu reconhecimento e meu encontro. Muitas vezes que não é possível velejar (consequências da vida, trabalho, distância, pandemia…), então, fecho os olhos e imagino a represa, um Snipe, a sensação do vento batendo no rosto, o barco adernando e o barulho da água…
Seja a vela ou qualquer outro esporte, desejo que você encontre algo similar, que acalme a sua tempestade e que seja a sua verdade.
Não posso terminar esse texto sem dizer: se tem vontade de aprender a velejar, aprenda! Não é um esporte apenas para elite (como muitos imaginam), é totalmente possível e VALE A PENA!
Quem sabe eu não te encontro num próximo velejo?
Ana Renata Bellotti de la Fuente, tem 33 anos, é natural de São Paulo, amante da natureza, velejadora, fisioterapeuta especializada em esportiva e ortopedia, instrutora de vela, mãe e apaixonada pela vida.