A Maratona de Boston costuma ser chamada de “a maratona das maratonas” – é a “Meca” dos Corredores. A cidade de Boston é “solo sagrado” da prova mais tradicional do mundo, e também a primeira maratona a permitir a inscrição feminina em 1972, há exatos 50 anos – curiosamente, poucos anos antes de eu nascer. 

Além de todo este peso histórico, outra coisa que faz, hoje em dia, a Maratona de Boston tão especial, é que salvo pequenas exceções, para quem consegue pagar por uma vaga de caridade, ou para privilegiados que conseguem convites dos patrocinadores, o jeito mais comum de se conseguir uma vaga é com a obtenção de puxados índices, conforme uma tabela dividida em sexo e idade, o que faz da prova ser um reduto dos “melhores entre os melhores” maratonistas. 

Eu comecei a correr com 33 anos, sem qualquer “histórico de atleta” antes disso. Com 38, corri minha primeira maratona e foi com 41 que, na minha quarta vez percorrendo os místicos 42K, alcancei meu índice para a Maratona de Boston.

Assim, às vésperas de completar 44 anos, corri a edição de n. 126 da Maratona de Boston.

foto: Fernanda Paradiso/@fparadizo

É muito engraçado por que tem coisas que a gente só percebe mesmo quando acontece com a gente. Hoje eu me sinto, entre altos e baixos, no meu auge. 

Minha melhor forma física da vida foi aos 41, pré pandemia e estou caminhando agora para retornar ao ponto que “parei”, treinando para a segunda maratona neste ano.

No entanto, justamente nesse momento em que eu poderia comemorar minhas maiores conquistas em pouco mais de 10 anos de corrida e ainda cheia de metas, foi justamente quando mais percebi um certo ar de “pouco caso”, uma certa descrença de gente querendo me dizer que preciso “ter os pés no chão” nessa fase…

Desde que consegui minha vaga em Boston, colecionei reações diversas das pessoas a minha volta: eram comentários do tipo “É por que na sua idade é mais fácil” referindo-se ao índice mais alto, ou o exato oposto “Aproveita por que daqui pra frente vai ser difícil conseguir de novo”. O pior de todos, pelo menos para mim, sempre foi o “susto” das pessoas quando eu falava quantos anos eu tinha, para “justificar” por que consegui o índice mesmo não tendo uma Maratona com tempo perto de 3 horas, como se eu precisasse explicar que meu tempo de 3h39m não fosse digno o bastante. 

Se quando a gente tem 30 e poucos fica feliz com um “nossa, não parece que você tem essa idade”, agora estou chegando numa fase em que o mesmo comentário passa a ser ofensivo, posto que me pego a pensar que a imagem que fazem de uma “senhora de 44 anos” é de uma velhinha, que não anda de shorts e rabo de cavalo, que não precisa mais ter sonhos, basta cuidar dos filhos e da casa e por isso é tão espantoso.

Ora! Uma “senhora de 44 anos” não é uma velhinha a quem só resta tricotar para os netos. Vejam que as maiores estrelas de hoje em dia são mulheres na faixa dos 40 ou50+! O que dizer, só para citar algumas, da eterna Angelina Jolie, Jennifer Lopez ou das musas brasileiras Juliana Paes, Grazi Massafera e até mesmo a maravilhosa Gisele Bündchen? Todas 40+!

Quando falamos de esporte amador, notem que ao ficarmos mais velhas, o que perdemos com as mudanças hormonais, ganhamos em foco e muitas vezes em maiores possibilidades de priorizar nossos treinos. Nesta fase, não nos preocupamos mais em furar com todos os convites para baladas (baladas? O que é isso mesmo?), as festas da faculdade já são histórias quase de outra vida e os filhos, em geral, quando existem, já são maiorzinhos e podem ficar algumas horas sem a gente em casa. Também, embora não seja regra, muitas vezes a vida financeira já está um pouquinho mais estável ou ao menos aprendemos a priorizar nossos gastos. Isso tudo reflete em treinos de melhor qualidade e não é à toa que as melhores médias em Boston são de mulheres acima de 35 anos. 

Assim, me dou o direito de treinar para que “os pés no chão” sejam em toques cada vez mais rápidos, tendo como meta, ser aquela “velhinha” que chama a atenção nas linhas de largada (e chegada) das maratonas. Vivemos novos tempos, e não dá para duvidar de alguém por conta de alguns fios de cabelos brancos (tingidos ou não)! 

Eliud Kipchoge, detentor do recorde mundial em maratona, diz que “nenhum ser humano é limitado”. Eu acredito nisso. E ainda, que a idade de ninguém define o que ela é ou não capaz de fazer, não acredite em quem diz que “já passou da idade”. Você não é limitada, ainda mais por sua idade!

Dito tudo isso, para finalizar, se eu puder dar um conselho, também, para todas as mais novas que me leem, é para que aproveitem a oportunidade de se dedicar e colher frutos do esporte antes mesmo do que eu pude fazê-lo, que se empoderem, que não se desesperem e que tenham paciência, pois a vida, na verdade, só fica melhor, tudo passa e a gente só fica mais bonita, sim, porque fazer o que a gente ama nos faz mais bem do que qualquer rotina de skincare ou do que qualquer “harmonização facial”.

Façamos o que nos faz feliz. Aos 20, 30, 40 ou aos 100!

foto: arquivo pessoal/Carla Callado

Carla Callado é corredora em busca de maratonas rápidas e brunchs demorados. Está no instagram no @corremulher

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