Por muitos anos, durante as expedições nas montanhas, eu acreditava que praticava um grande ato de desapego, de independência e de autonomia em relação a vida cotidiana das terras baixas. Vi isso mudar em 2020, com a Pandemia da COVID-19, e mais uma vez percebi – e aprendi – que a estrada do aprendizado e evolução é infinita, e por mais que acreditasse naquele degrau de desapego que eu estava, tudo que aconteceu no ano passado veio me ensinar que não é bem assim. 

O mundo entrou em suspensão. Algo imensamente maior do que nosso senso de controle tomou conta da nossa liberdade, forçando nossa vivência seguir o ritmo imposto por um outro organismo vivo, o planeta e o vírus. Nossas próprias vontades foram deixadas de lado em prol de um senso de comunidade, e nossos desejos evaporaram frente aos nossos olhos com as tantas incertezas do que vai ser o amanhã.

E tudo isso é tão intrinsicamente relacionado com o montanhismo, que quando o isolamento começou, eu me senti vivendo um deja vu. Foi bastante desconcertante perceber que o mundo inteiro foi colocado fora da sua zona de conforto. Nas minhas experiências em expedições, as redes sociais e outros meios de comunicação, serviam como apoio vindo de um “mundo normal”, que acontecia do outro lado do mundo – e da tela, e para o qual eu poderia eventualmente voltar quando a expedição chegasse ao fim.

Imagem: arquivo pessoal/Ayesha Zangaro

Dessa vez não foi assim. Embarcamos todos juntos em direção a um momento de superação igualmente desafiador para todos os seres humanos. 

Isolar-se. Essa palavra de alguma forma me remete a se presentear com um lar próprio. Passar a se habitar, a se reconhecer como casa, provedora e colo. Pessoalmente, esse foi um dos maiores aprendizados desse ciclo, que ainda não se encerrou. Enxergar que não importa onde, ou como estamos, a única bóia salva vidas em meio a essa tempestade de caos, está aterrada em nós mesmas. Quando tudo lá fora deixa de fazer sentido, a única forma de seguir, é achar calma, respirar o fluxo de energia e movimento que somos. 

Quando estamos no ambiente de alta montanha ficamos a mercê da força da natureza, entregues e atentos aos eventos, porém sem poder absolutamente prever ou controlar qualquer coisa externa à nós mesmos. Avalanches, tempestades, ventos, mudanças climáticas. Aprendemos a observar, interiorizar, acalmar e a partir daí, agir. 

As relações da pandemia com a montanha, com o esporte de aventura são muitas, mas acredito que a principal seja aceitação e resiliência para enfrentar o desfavorável e com isso entender e crer, que todos os ciclos, sem exceção, são finitos. 

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